"Ser mãe é uma loucura"


Não existe quem passe ileso diante da barriga de uma mulher grávida. Alguma impressão vai ter, alguma idéia vai surgir, a não ser que o expectador tenha conflitos em relação à maternidade, e para não se angustiar, defenda-se negando a cena. Olha e não vê a notória saliência que a futura mamãe faz questão de exibir com o maior orgulho.

Se a maternidade pode causar este impacto em um mero observador, imagine então o que se passa na cabeça da dona dessa barriga, que convive, em tempo integral, com ela e com tudo o que isso representa. Se você está grávida e deseja ter esse filho, acredite, sua vida vai mudar completamente. Até este momento você pode ter sido uma pessoa estudiosa e esportista, ou frequentadora dos bares da noite, ou cinéfila, não importa. Essa pessoa totalmente livre e disponível para si e para todos vai entrar numa relação de total dependência, absolutamente necessária no início do convívio entre mãe e filho. Um fato histórico na fase inicial do desenvolvimento de todo indivíduo. Uma mulher que depende de um filho para tornar-se mãe.

Ser mãe vem pôr em xeque tudo aquilo que foi aprendido até então. Faz reviver a infância e suas experiências. Desperta, inconscientemente, a tendência de repetir o modelo que conheceu um dia, na relação com sua própria mãe, sua referência, e que vai ao encontro do que ela espera viver hoje, com a cabeça de adulto que conquistou, na esperança de uma relação melhor com seu filho. Surge o conflito, incontáveis emoções começarão a emergir de um mundo adormecido e cautelosamente esquecido, um mundo de memórias que irão forçar sua entrada. E vão conseguir.

O foco de atenção da mãe desloca- se do mundo externo para concentrar-se no mundo interno, o que é natural, já que no seu próprio corpo habita outro ser humano. É literalmente íntima essa relação entre mãe e filho, e é essa intimidade que garante os alicerces da personalidade da criança, como modelo para seus futuros relacionamentos de amor. Penso na mãe comum, de mentalidade sadia que, atenta às suas emoções, quer entendê-las. Aliás, essas emoções não só existem como são imperiosas, tomam conta da cabeça, do corpo, fazem o mundo virar do avesso.

Conforme o corpo vai se transformando, a cabeça também, tentando elaborar uma vastidão de emoções simultâneas e contraditórias, que eclodem de maneira forte, capazes de contaminar quem estiver por perto, pai, avós, tios, amigos íntimos. A barriga cresce conforme reza a sábia natureza, que usa o tempo como um instrumento para formar, aos poucos, um filho e uma mãe.

É bastante a responsabilidade dessa mãe, que, além de lidar com seu corpo modificado e hormônios caóticos, terá um grande trabalho mental pela frente, abrir espaço mental para conter este novo objeto de amor. Assim como seu corpo abriu espaço físico, a mente também terá de se abrir para conter um vínculo fortíssimo, que cresce cada vez mais. Abrir espaço físico demanda força e tempo, abrir espaço mental significa ter a capacidade de se angustiar.

Vale um alento, viver sem angústia é pura utopia, é a morte, ou no mínimo covardia. O fato é que não existe crescimento sem dor, mudanças sem perdas, vida sem emoção. Verdade seja dita: é incomparável o desenvolvimento emocional de uma mulher que é mãe ao de uma mulher sem filhos. Afinal, são tantas adaptações, dores e prazeres misturados, responsabilidades, medos, alegrias, que só quem viveu essa experiência pode dizer dos fios invisíveis e infinitamente elásticos de amor e de vida que vão tomar conta da situação.

Ser mãe é uma loucura, é ter os pés escapando do chão para caminhar sobre as nuvens, é abrir o peito para deixar um novo amor entrar, suportando a dor do corte. A psique entra em total atividade na tentativa de conciliar o impasse, como se dividida em dois batalhões que guerreiam entre si. Seja ela de primeira ou última viagem, vai ter que se despir para se vestir de novo, com uma roupa diferente.

Cada indivíduo é único, tem uma carga genética única, um único conjunto de experiências no útero, no parto e após o nascimento. E tudo isso influencia a maneira pela qual se dará sua adaptação no mundo. Como num piscar de olhos, você se vê às voltas com chupetas e noites acordadas bem diferentes. Chegou o tempo das fraldas e dos cocos e, quando isso acontecer, terá a certeza de merecer todo o respeito do mundo.

Nunca se sabe que tipo de interação vai surgir entre uma mãe e seu filho, mas uma coisa é certa, jamais se aproxime para dar-lhe conselhos de como cuidar de seu rebento, ela saberá melhor do que ninguém, sua tendência natural e instintiva será o fator mais importante na educação de um novo ser humano. Confie.

Pode acontecer da mãe experimentar uma certa depressão após o nascimento, com direito a crises de choro, sentimentos de exaustão ou incapacidade de enfrentar as coisas quando deixar o hospital. Há causas físicas para isso, como a elevação do nível de hormônios que ocorre na medida em que o organismo se recupera do parto. Também são numerosas as causas práticas, como, por exemplo, o desconforto motivado pelos pontos e a necessidade de cuidar do bebê à noite, quando o descanso é necessário. Feliz ou infeliz, a mãe irá amá-lo de qualquer jeito. Seus cuidados são fundamentais: através do seu carinho, ela ensina como suportar melhor as dificuldades do mundo.

A mulher que se torna mãe vai precisar de apoio, de proteção, da atenção de um marido, de experiências sexuais que a satisfaçam, precisará de segurança para apostar no seu instinto materno e cuidar do seu bebê com sabedoria. Sem dúvida, um médico de confiança e boa literatura sobre o assunto são indispensáveis.

Procuro chamar a atenção para a imensa contribuição prestada no início, ao indivíduo e à sociedade, pela boa mãe comum, contribuição que ela dá simplesmente graças à dedicação ao seu bebê. A criança de hoje vai crescer e vai se tornar independente. Na bagagem leva sua experiência de vida.

Dra. Evelyn Pryzant
Psicanalista

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